Cinco segundos
A segunda feira já começou com chuva, deu aquela falsa esfriada de madruga. Depois de algumas horas o vapor que subiu do chão molhado se transformou num bafo sufocante. E ainda mais, aquele mal estar de domingo à noite, muito chato. Naquela manhã de segunda, ela acordou cedo e cheia de energia, o que a surpreendeu, não estava entendendo direito o porque daquela sensação estranha. Já que entusiasmo ultimamente era matéria escassa. Saiu pra uma caminhada, tentou se cansar, voltou pra casa e tomou um banho. Resolveu vestir algo especial que a deixasse bonita. Uma blusinha tomara-que-caia e uma saia godê, estilo anos 50. Seu reflexo no espelho a fez se lembrar da mocinha bandida que viu em um filme de gângsters, um clássico, Bonnie and Clide.
"Hum, vou usar um lenco ou um chapéu. Quero algum acessório". Subiu no banquinho e puxou uma sacola no maleiro, no quarto de seus pais. Junto com os lenços, caiu em cima dela uma caixa de madeira, bem em cima do pé. Abriu-se um dicionário de palavrões, ficou roxo na hora, aiiiii. Mas que "!(*&¨&¨% é essa? A caixa acabou se abrindo e caiu um embrulho pequeno, um saquinho de veludo roxo; e tinha algo pesado dentro. Hum...
Bonnie, Clide, minha saia godê, e dentro do veludo roxo tinha nada menos que um revólver, uma pistola calibre 22 toda cor de prata com cabo de madrepérola. Uma linda arma, feminina, pequena... parecia... uma jóia. Guardada há tempos pelo jeito, pedindo para ser usada. Mas o quê? Ela pensou e agiu rápido - "Vou levar comigo na bolsa. Minha mãe e meu pai não vão se dar conta nunca". Um impulso, um fetiche, e aquela sensação de vitalidade voltou, uma coceira. Teve algumas idéias estranhas. Esqueceu. Checou a arma, estava carregada.
Enquanto fechava a porta de casa, se perguntou para onde ía. A moça já estava vacinada em seu instinto consumista, há cinco meses sem trabalho, já tinha aprendido a viver sem certos caprichos, comprinhas banais, idas ao shopping, necas, babau. "Ah, não estou a fim de me vestir para procurar trabalho, vou passear". Seguiu ela se enganando, se dando ao luxo. Já no ônibus, sentia o peso da arma dentro da bolsa. -" Que loucura eu estou fazendo?"
Uma volta no parque, uma livraria, e ela se imaginou abrindo a bolsa e mostrando a arma ao caixa e levando um livro, ou flertando com um estranho no parque e quando ele se sentisse suficientemente atraído, ela mostraria a arma, e o pobre diabo sairia correndo para se salvar, rsrs. O quê? "Oh, estou enlouquecendo, endoidei de vez". Abriu a bolsa e a olhou um momento, era tão bonita, tinha um brilho. Os gangstêrs tinham uma vida glamourosa afinal, poder, emoção e inimigos, bom, não era fácil essa vida, porém... o que é? Pelo menos tinham uma vida emocionante enquanto durava. E muito dinheiro. As mulheres morriam cravadas de balas mas de batom vermelho e casquete, os homens, de ternos e alinhados. E enquanto caminhava devagar, quase parando, bem no auge da sua egotrip, viu-se bem em frente a uma dessas lojas de souvenirs e bijouterias femininas. O local era ponto de parada costumeira, gostava de dar uma olhada nos acessórios (e olhe lá), sempre tão caros, tão lindos, e tão sedutores. Logo na entrada uma pequena prateleira de chapéus chamou a atenção. Tinha um que combinava perfeitamente com seu figurino. Echarpes, pulseiras, anéis, muito strass, de todas as cores, ah, e os bróches. Subitamente, com a atenção presa, veio um silêncio e tudo que seus olhos enxergavam era o brilho das pedras e os preços das peças. Mute. O coração disparou de emoção, sentiu de volta aquela coceirinha, só que agora era algo malévolo, bem diferente daquela sensação do despertar. Apertou a bolsa e sentiu a 22. Agora ela sabia, era raiva, que tinha parado na sua garganta, não estava dando pra engolir. Sentiu um mal-estar, um impulso incontrolável tomou conta, e rapidamente ela visualizou um cenário e todos os elementos de sua trama de ação.
Abriu a bolsa, foi em direção aos chapéus, vestiu, foi até um colar de pérolas, arrematou um anel de pedra gigante transparente, parou em frente ao espelho de corpo inteiro. Se achou perfeita, poderosa. Algo impagável, se é que vocês me entendem. Enfiou a mão na bolsa, sacou uma arma pela primeira vez na vida, e sentiu o metal se moldar na sua mão. Arrepio. Foram três tiros certeiros e tudo aconteceu em cinco segundos. Esticou bem o braço e atirou duas vezes na vendedora que estava atrás do balcão, com a mão direita, um na testa e outro no olho, trocou de mão e acertou a outra bem na testa, uma vez. As duas tombaram quase ao mesmo tempo. O sangue gritava no piso frio branco da loja.
Bonnie se virou, guardou a arma que ainda soltava fumaça na bolsa e saiu. Caminhando a passos largos.
3 Comments:
Gi...sua criatividade é absurda..rs..adorei a historia..vejo vc nela perfeitamente..caro..vc não é bem uma assassina, mas o figurino é tua cara..rss
Tá ótemo!
Bjos
Gi!! é por isso que você é jornalista!!! ótimo..adorei... beijokas Ná
HUAHAHAHA
PERFEITAAAAAAA
Tá lindo isso aqui
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